Buenas.
Conforme combinado, segue abaixo a tradução da matéria de capa da revista Edge, número 388. Texto original de Alex Spencer, tradução/localização por este que vos digita.
Vamos lá!
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Assim como acima, também abaixo
Depois de 13 anos, a Remedy está pronta para fazer o jogo dos seus sonhos
A cabine de madeira, real ou imaginária, onde um escritor ficou acorrentado à sua máquina de escrever pelos últimos 13 anos. A floresta onde uma detetive se encontra perdida, agarrando uma tatuagem de coração, enquanto a realidade se esvai ao seu redor. O interior da mente de ambos os personagens, que você pode caminhar livremente. Vamos visitar todos esses lugares, mas para a Edge, a história começa em um lugar estranho: um set de um bate-papo noturno.
Lá fora, é um dia ensolarado nas ruas de Helsinque, com o longo e escuro inverno finalmente descongelando. Aqui dentro, entretanto, a única janela mostra uma paisagem sombria de uma Nova York noturna. Ela está posicionada ao lado de um letreiro que mostra que estamos assistindo a
In Between with Mr. Door, com uma luz fraca revelando que essa visão é um papel de parede, com ligeiras ondulações na sua superfície para identificar que você não se esqueça do artifício. Porque nada aqui é real, e Alan Wake está prestes a descobrir.
A ação inicia e
Ikka Villi emerge detrás de uma cortina vermelha, piscando nos holofotes. Mais tarde, ele irá nos dizer:
“Eu contei 18 anos com Alan Wake”, sendo escalado como a manifestação física do personagem durante os estágios iniciais de desenvolvimento do primeiro jogo, enquanto
Matthew Porretta providenciou a voz.
“Os jogos eram muito diferentes antes”, diz Porretta.
“Isso nunca seria feito desta forma hoje, certo? A pessoa que faz a captura de movimentos também daria a voz. Mas lá atrás, quando começamos, estávamos descobrindo como as coisas eram feitas”.
Esse arranjo incomum foi preservado em Alan Wake 2, embora com algumas mudanças. Por isso, com o proeminente aumento das capturas live-action nessa sequência e uma fidelidade visual muito maior na captura de performance, o rosto de Villi esteja em mais destaque do que nunca. O personagem também mudou, depois de todo o tempo preso no Dark Place. Villi diz que
“ao fazer o primeiro Alan Wake, sempre dissemos que a mente estava aterrorizada, mas sob controle. Mas agora, muito dessa parte sob controle desmoronou. Ele é muito mais confuso e vulnerável”.
Isso é aparente no set, com o descuido com o cabelo crescido de Wake e sua barba complementando seu estado de perplexidade com a situação. Como ele foi parar lá? É mesmo Nova York? Wake costumava viver ali, antes de seus negócios em Bright Falls, quando promover um livro em um programa de entrevistas era parte do seu dia a dia. Mas os apresentadores desses programas normalmente sentam-se em silêncio no escuro, com sua silhueta evidenciada no falso horizonte da cidade? Mr. Door se levanta de sua cadeira, tira os óculos e entra na luz - revelando a face de David Harewood. O ator britânico fez de tudo, de Shakespeare a Call of Duty, e essa experiência se prova aqui. Uma vez em seu lugar, Harewood mal move alguma coisa além dos lábios, e sua fala é rápida, com tons abafados e graves, mas isso apenas faz você sentar pra frente e escutar com ainda mais atenção.
Cadáver esquisito
Sabe aquela velha brincadeira onde todos dobram um papel, escrevem uma parte do corpo e entregam para alguém? É assim que Lake, Porretta e Villi descrevem o processo de criação de Wake - embora, Lake brinca, não tenha a parte onde “você abre e descobre que é um monstro”. Porreta imediatamente responde: “bom, talvez isso seria legal, Sam”. Seja qual for o caso, é claro que os três estão ansiosos para levar os outros para frente. “Em diversas vezes, eu fiquei dizendo ‘é, tudo tem a primeira vez’. Eu nunca fiz algo assim antes”, diz Villi. Os outros começam a rir. Villi complementa: “bom, eu não posso entrar em detalhes. Diria que são coisas que eu nucna fiz antes mas sempre sonhei em fazer como ator”.
Quanto ao que ele está dizendo, bem, a cena que está sendo gravada acontece mais para o final da história do jogo, então, não podemos entrar em coisas específicas. Basta dizer que é uma conversa culminante, e talvez um confronto, entre Wake e Door. Há muita conversa sobre máscaras caindo, ficções se esvaindo, verdades sendo reveladas - até que, de repente, os holofotes são cortados e começam a piscar dramaticamente. “
Corta!”
O diretor Anssi Maatta e o diretor criativo da Remedy, Sam Lake, entram no set para dar aos atores alguns toques sobre suas performances. Eles querem ver uma energia mais nervosa de Villi, para contrastar com a quietude de Door - e poderia Harewood chegar ao ponto de quebrar a quarta parede sobre o “exército de pessoas” no canto de Wake? Os diretores se afastam, Harewood volta para a escuridão e Villi para trás da cortina. Entre as tomadas, uma assistente corre com um esfregão para polir o piso de parquet, para que quando Villi emerja novamente, seu reflexo esteja nítido e claro sob seus pés. Existem dois Wakes, em cima e embaixo.
“Esse é um grande tema”, diz Lake. “Ecos de eventos, espelhos retorcidos que se tornam ideias, duplos personagens. Então, nós pensamos, e se isso alimentasse o design?”. Com Alan Wake 2, a Remedy está levando o número a sério, garantindo que nunca haja apenas uma coisa de algo. Existem dois personagens principais, cada um com sua história, essencialmente fornecendo duas campanhas que se entrelaçam no mesmo jogo. Uma começa com Wake no Dark Place, onde ele esteve preso por mais de uma década; a outra revisita o mundo familiar e real de Bright Falls. Ao longo de vários meses, com demonstrações e conversas em Helsinque, Los Angeles e Londres, pudemos ver os dois lados do jogo. E, neste período, tivemos a impressão clara de que, embora este seja apenas um dos cinco projetos em desenvolvimento na Remedy, Alan Wake 2 deve ser o mais ambicioso, completo e importante. É, certamente, o mais importante para Lake, pessoalmente.
Arte, pelo amor de Deus
Quando estávamos no escritório de Espoo, vimos o script de Alan Wake 2 na sala de Lake. É uma confusão de papeis, empilhados no chão e alcançando até a altura do joelho. Pensando no Wake em sua máquina de escrever por 13 anos, perguntamos se existe algo autobiográfico aqui. “Todo esse tempo preso em uma sala para escrever? É, tem um pouco disso sim”. Todos os jogos da Remedy, ele argumenta, são parte do reflexo da criação, mas a natureza dessa série coloca isso em primeiro plano. “Tem muito das nossas dificuldades para criar um jogo. É muito libertador pegar essas ideias e transformar em metáforas através da narrativa”.
“Eu tenho tentado fazer Alan Wake 2 por vários anos”, diz ele.
“Tivemos cinco conceitos para Alan Wake 2, eu acho. É como eu conto”. Villi lembra de “encontros com o Sam ao longo dos anos, ligações por telefone, mensagens - ‘vai acontecer, talvez, quem sabe, vamos ver… Não, não deu certo’. Isso aconteceu algumas vezes. Mas eu sempre soube que o Sam e muita gente na Remedy tinha esse desejo de voltar para esse personagem, de manter o sonho vivo”. Enquanto isso, todas essas tentativas frustradas definiram o formato da Remedy na década passada.
“Nós imediatamente pensamos em um plano para uma sequência”, diz Lake. “E até estávamos pensando em como Alan Wake 3 poderia ser”. Mas não era a hora certa.
“Esse é o fluxo e o contrafluxo da indústria de jogos - lá atrás, tudo era meio ‘uma experiência linear single player? Não estamos interessados’”. Entre os que disseram isso, parece, estava os antigos colaboradores da Microsoft. Mas, depois de rejeitar as propostas da Remedy, “eles nos disseram que estavam interessados”. Enquanto Lake não entra em detalhes do que era, vale notar que o período em questão era o início dos anos 2010, quando a Microsoft se preparava para o lançamento do
Xbox One, com sua visão de um console como uma plataforma de entretenimento. Não é difícil imaginar como essas conversas rolaram.
“Por um tempo, eu pensei em adaptar essa ideia para Alan Wake, mas não combinava com Alan Wake”, diz Lake. “Então, vendemos Quantum Break”. O jogo estava recheado de referências e easter eggs a Alan Wake, incluindo um trailer ficcional dentro do jogo, chamado Returnal. O curta mostrava um interruptor de luz quebrado, dois agentes do FBI (um interpretado por Lake) procurando um escritor sem nome, e um (agora barbudo) Villi usando o casaco característico de Lake. Reassistindo agora, é notável como muito desta sequência estava naquele trailer - embora essas não sejam as únicas sementes plantadas.
“Houve uma outra proposta de Alan Wake 2 depois de Quantum Break, que criamos junto com Mikael Kasurinen (co-diretor de Quantum Break)”, explica Lake. “E, nele, haviam agentes do FBI procurando por um escritor desaparecido”. Depois da Remedy receber um retorno de que, mais uma vez, isso não se parece com Alan Wake, Kasurinen transformou o pitch (pequena apresentação contendo os pontos base do jogo, utilizados para tentar vender jogos para publishers financiarem) em um projeto completamente novo. “Muitas das ideias de design que acabaram em Control estavam aqui”. Este jogo serviu como um retorno para a Remedy, e preparou o terreno para o universo conectado que agora estão explorando em Alan Wake 2.
“As coisas estavam se encaixando”, diz Lake sobre a decisão de, finalmente, entregar referências intertextuais que sempre apareceram em jogos da Remedy. Depois de recuperar os direitos de publicação de Alan Wake, em 2019, a Remedy procurou a Epic Games Publishing com uma proposta. “Queremos fazer duas coisas”, lembra Lake de ter dito à publisher. “’Queremos fazer Alan Wake Remastered e depois queremos a sequência’.. E foi assim que o negócio foi feito”. O negócio foi fechado enquanto a Remedy estava finalizando o trabalho em Control.
“Desde o início, em Control, tínhamos a ideia de que os jogos se passavam no mesmo universo”.
Tudo isso culminou na expansão AWE, que acabou com um monitor da Federal Bureau of Control ligando com um alerta de “alguns anos no futuro”, vindo de um Altered World Event de Cauldron Lake, em Bright Falls - cenário do jogo original, atualmente supervisionado pelo agente do FBC, Estevez. Em Alan Wake 2, aparentemente, você irá encontrar Estevez e visitar a estação de monitoramento do FBC.
“Ela está quebrada no início”, diz Lake,
“mas quando está consertada, a primeira coisa que acontece é uma tela acender com o mesmo alerta de um AWE”.
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Uma Saga não contada
Lake pode ser se tornado o rosto da Remedy ao longo dos anos, mas ele quer se distanciar da imagem de “autor solitário” - algo que é difícil de fazer quando o seu protagonista é um escritor com um sobrenome que rima. Talvez, por isso, uma segunda protagonista. “Embora seja chamado Alan Wake 2, esse também é um jogo da Saga Anderson. Ambos os personagens estão no centro de tudo”. Sendo assim, o papel de Anderson no jogo não é somente investigar o mundo exterior ao de Wake - ela tem seus próprios mistérios para desvendar. “Parte da história é sobre a Saga descobrir mais sobre ela mesma, de onde ela realmente veio. E, depois de aprender sobre isso, as coisas que ela dava como certas podem conter verdades escondidas”.
Por mais que a Remedy esteja preocupada, tudo serviu pra chegar até aqui. Um único título no qual todas as histórias recentes se concentra, coletando ideias que estiveram no forno por muitos anos. Mas esta é uma produção cara, e então, o estúdio não pode contar apenas com jogadores que conhecem tudo. “Faz 13 anos e penso muito que seria errado que você tivesse que fazer todo esse tema de casa, de ir lá e jogar todos os jogos”, explica Lake. “Você precisa seguir o plot de Alan Wake 2 mesmo se você nunca jogou um jogo da Remedy. Então, precisávamos de um personagem que fosse, de certa forma, novato a toda essa loucura”.
Isso explica porquê a abertura do jogo coloca você nos pés e casacos padrão do FBI, da agende Saga Anderson. Anderson chegou a Bright Falls para investigar um crime. Não o desaparecimento de um escritor famoso - Wake está desaparecido por muito tempo -, mas uma série de assassinatos ritualísticos. Ainda assim, é difícil não pensar no curta “Return”, em Quantum Break, mesmo antes do parceiro de Anderson aparecer (interpretado, claro, por Lake).
Por outro lado, a atriz por trás de Anderson não é um rosto familiar da Remedy, mas uma novata: Melanie Liburd (This is Us, The Idol). Lake diz que foi uma longa procura, complicada pela pandemia. Ainda assim, a escolha de Liburd veio
“enquanto ainda estávamos escrevendo algumas partes do jogo”, e ela teve um papel fundamental para moldar a personagem. “Terminamos fazendo a personagem mais empática (baseados na performance de Liburd”, diz ele, adicionando que ela também ajudou a encontrar o tom e quantidade do humor. Do pouco que vimos, Anderson parece bem centrada - em contraste com a sua contraparte, com suas tendências a divagar e fazer monólogos.
Pelo prisma de Anderson, Alan Wake 2 possui um foco narrativo particularmente parecido com os remakes de Resident Evil. Nossa demonstração inicia com uma sequência de andar e falar, andes de Anderson pegar uma arma e uma tocha, a câmera se aproximando como em uma visão acima do ombro. O diretor Kyle Rowley é simpático com essa mudança de ação e terror para um survival horror completo, e reconhece a influência da série da Capcom. “A perspectiva da câmera e outras coisas, sim, existem muitas referências que olhamos nos Resident Evil recentes. Mas não apenas porque funcionou para eles. É mais, tipo, como isso ajuda a construir a experiência que queremos? Mais claustrofobia, fazer os jogadores se sentirem mais vulneráveis, os inimigos terem mais traços físicos e serem mais perigosos”.
Isso acontece, em parte, como uma
reação a algumas falhas do primeiro jogo. “Uma crítica muito válida era que nossas mecânicas de combate eram rasas”, diz Lake. “Elas não evoluíam. Era usar a luz, queimar a sombra, atirar no inimigo - e haviam vários encontros com inimigos no jogo, então, você ficava fazendo sempre a mesma coisa do início ao fim. E as pessoas diziam ‘isso cansa e fica repetitivo’. Então, quisemos mudar isso”. A essência do combate permanece a mesma (lanterna, arma, atirar), mas as lutas são menos frequentes, colocando o jogador contra inimigos mais fortes, com mais restrições de munição, na esperança de que cada encontro entregue algo. Tivemos um gostinho disso durante uma luta contra um chefe cujos poderes sombrios englobavam a geometria do ambiente ao redor de Anderson. É o tipo de truque que foi bastante celebrado em Control.
"Um nível que incorpora capturas de vídeo em sua geometria, prometendo ser algo como um sucessor ao Ashtray Maze (Control)."
Se você é um jogador desapontado que o remake de Resident Evil 4, lançado este ano, aparou algumas arestas do original, a fim de combinar com o frescor visual da nova versão, saiba que não existe esse problema aqui. Enquanto Alan Wake 2 tenta igualar os visuais do jogo da Capcom, ele não tem medo de ser estranho. A missão de Anderson leva ela até uma geladeira, nos fundos de uma loja de conveniências abandonada. Ela é protegida por uma nuvem de sombras que distorcem o mundo ao seu redor. Anderson pega sua tocha - para uma detetive, isso é uma ferramenta de investigação antes de uma arma - e entra no local, encontrando um importante item dentro dela. É parecido com os puzzles de chaves e cadeados de Resident Evil, mas com o toque distinto da Remedy. A chave é um coração tatuado, e o cadeado é um quadro de informações turísticas com um corte de madeira, com uma entrada apropriada em um local. Combinando as duas coisas, Anderson precisa recitar alguns versos.
As coisas ficam mais estranhas quando Anderson entra no The Overlap, onde as realidades se misturam umas às outras. O seu redor fica mudando e rodopiando, com horizontes de cidades no Dark Place aparecendo em meio as árvores e figuras das sombras surgindo e desaparecendo. Quando tudo fica vermelho, e o mundo começa a girar ao seu redor, Anderson encara a situação de forma caracteristicamente concisa: “porra”.
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Se Anderson - e o novo jogador - é introduzida de forma calma para a estranha lógica por trás das engrenagens da Remedy, Wake é jogado de cara no chão. “Ele está preso em um pesadelo”, diz Lake, “ele segue acordando no Dark Place, nessas situações surpreendentes, e não entende muito bem como foi parar lá”. A situação surpresa em questão, na nossa demonstração, é uma sala verde (onde mais?) de um programa de entrevistas. Não aquele set físico que visitamos, mas uma locação in-game. Com cenas live-action, ela é exibida em uma parede de monitores, enquanto a voz de Harewood introduz o convidado da noite de Mr. Door.
O vídeo corta para uma sequência de loops de Wake, de pé nesta mesma sala, que Lake diz ter recriado perfeitamente. “Na verdade, nós criamos no jogo primeiro e depois construímos o espaço no estúdio”. Interagindo com o monitor, a câmera vai em direção a tela, à medida que o jogo se transforma em live action. A cena que segue acontece consideravelmente mais cedo do que aquela que vimos sendo filmada, e a máscara ainda precisa cair. Door está muito mais presente em seu papel de apresentador, com a quietude sendo trocada por uma alegria e até mesmo empolgação, batendo no seu joelho enquanto brinca com Wake para satisfazer a plateia.
Suas risadas pontuam a tentativa de Wake de entender o que está acontecendo. “A piada sou eu”, conclui ele, indefeso. Door continua, segurando cópias do novo livro de Wake. O livro é “Initiation”, a sequência de “Departure”, o manuscrito que é coletado no primeiro jogo. Initiation, claro, é apenas um dos dois livros que nos aguardam em Alan Wake 2: enquanto Wake encontra as páginas no Dark Place, Anderson tenta costurar a conclusão da trilogia, “Return”.
“Initiation conta a história de um escritor ficcional chamado Alan Wake, que está preso em um pesadelo, desesperadamente tentando encontrar o manuscrito de uma história que ele esqueceu de ter escrito”, diz Door para sua audiência. “O livro se passa em Nova York, mas pode ser que não seja Nova York também. Ele está atormentado pelo seu sósia do mal, guiado por visões de uma detetive ficcional que ele criou”. Como uma sinopse para metade da história do jogo, é difícil superar. Door pergunta a Wake: “como você descreveria? Um experimento auto ficcional? Uma história de horror? Uma história pós-moderna de investigação?”.
“Superstição, religião - é tudo uma busca por sinais: alguém está tentando me dizer uma coisa?”
Antes da sua conversa terminar, e as luzes começam a se comportar de maneira estranha, vamos considerar
os motivos da Remedy estar enveredando tanto para as capturas live-action em Alan Wake 2. Teremos pelo menos uma hora delas no jogo, gravadas não apenas aqui mas do outro lado da cidade, em um set preparado como a cabine de madeira do primeiro jogo, e também em Londres, onde trechos do que o estúdio chamou de “vídeo misturado” (filmagens feitas para serem sobrepostas, de forma altamente processada, em cima dos visuais do jogo) são filmados em um fundo preto infinito.
Entre as tomadas das cenas do talk show em Helsinque, Lake casualmente explica sua linha de pensamento: “Todas essas outras formas de arte podem - e, penso eu, devem - existir dentro dos jogos”. Ele não está falando apenas de filmes mas também música, algo que faz parte dos jogos da Remedy, sem exceção. Essas são coisas que estão ao nosso redor no dia a dia, ele argumenta - e, se conseguem nos capturar no momento exato, podem impactar nossa existência. “Como humanos, queremos encontrar sentido para as coisas. Esse é um grande objetivo pra gente. Superstição, religião - é tudo uma busca por sinais: alguém está tentando me dizer uma coisa? E, embora não seja verdade no mundo real - bom, depende do que a pessoa prefere acreditar -, eu sinto que, em um mundo virtual, isso pode ser verdade. Tudo pode ser um espelho para a situação, a personalidade e o estado mental do personagem principal, cujo ponto de vista compartilhamos. Tudo no mundo passa a ser um comentário em cima disso”.
A Remedy vem perseguindo essa ideia desde Max Payne, que contava com programas de TV fictícios - Address Unknown, Dick Justice, Lords and Ladies -, todos refletindo aspectos da história de Payne. Esses programas, embora tivessem limitações técnicas da época, eram retratados como imagens paradas e uma narração, mas a Remedy teria a chance de explorar esse conceito com mais profundidade em Alan Wake. Night Springs, uma homenagem a The Twilight Zone, ecoou a estranheza da pequena Bright Falls enquanto outros segmentos tiveram uma conexão mais direta com a história, apresentando Villi à frente da cabana. “E, claro, isso era em live action, porque é isso que você tem em uma televisão”, diz Lake. “Então, era tudo uma questão de dar o próximo passo.
Obviamente, talvez tenhamos ido longe demais em Quantum Break, com toda a questão da série de TV”. Essa talvez possa ser a melhor analogia para o tipo de filmagem que a Remedy está fazendo em Alan Wake 2, mas aqui, existem algumas vantagens.
Elas estão sendo feitas em casa, pela mesma equipe do jogo, ao invés de ser uma produção distante em Los Angeles. E existe a justificativa narrativa para a sua presença no jogo: cutscenes live-action serão utilizadas, aparentemente, apenas n Dark Place, onde a lógica de sonhos existe. Nos outros lugares, o uso dessa ferramenta será mais próximo do que foi feito em Control. Vemos o esboço de Wake na sua máquina de escrever enquanto Anderson encontra páginas de Return, de repente um flash de uma figura sangrenta salta na tela, com as silhuetas dos atores fazendo monólogos.
E a Remedy ainda está encontrando novas formas de usar cenas live action. Em nossa visita no estúdio de Espoo, tivemos um vislumbre de um protótipo de um nível que incorpora capturas de vídeo em sua geometria, prometendo ser algo como um sucessor ao Ashtray Maze (Control). É o exemplo perfeito de como o estúdio está trabalhando as lições e ideias que teve nos jogos antecessores - muitas delas nascidas em tentativas frustradas de criar essa sequência - para Alan Wake 2. E então, como Lake diz,
“virando todos os botões para o 11”.
Auxílio Musical
Por mais que a televisão e filmes sejam importantes, a música é igualmente fundamental para os jogos da Remedy, especialmente a colaboração de longa data com a banda finlandesa Poets of the Fallen, cujo primeiro single foi composto para a trilha sonora de Max Payne 2 e que, recentemente, fez a trilha de Ashtray Maze em Control. Desta vez, a Remedy chamou diversos artistas finlandeses para criar músicas para o jogo - mas a banda Poets estará presente com sua encarnação in-game The Old Gods of Asgard atuando como a banda do programa de Mr. Door. E a Remedy vai levar suas ambições musicais ainda mais fundo em uma sequência descrita por Lake no set, demonstrando alguns passos de dança enquanto ele conversa.
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Existe um aspecto dessa sequência que vai ainda mais longe, para uma inicial e infame versão do Alan Wake original, quando ainda estava em desenvolvimento com a intenção de ser um jogo de mundo aberto. Lake expressa um certo lamento que essa promessa tenha sido feita em público, e é claro em dizer que a sequência também não é um jogo de mundo aberto. Mas olhando em retrospecto, ele vê o lado positivo de como as coisas acabaram dando certo. “Construímos um mundo inteiro para ele, e é muito real na minha cabeça. Então, mesmo quando transformamos em uma experiência linear, por muito daquele mundo ter sido construído, temos um senso de lugar que não existiria se tivéssemos começado construindo uma experiência linear”.
Vindo para a sequência, isso deu para a Remedy muito espaço para explorar. “Se você olhar para o mapa original, mais pra esquerda está uma cidadezinha vizinha de Bright Falls, chamada Watery. Desta vez, nós iremos até lá - e ela é uma área grande por si só”. Watery é uma vila de pescadores fundada por imigrantes finlandeses e uma das três grandes áreas da metade de Washington do jogo, junto de Bright Falls e Cauldron Lake. Mas mesmo essas locações recorrentes mudaram bastante. O espaço de 13 anos entre os jogos fez bem para a Remedy.
“Claramente, o tempo passou”, diz Lake. “Coisas aconteceram - e também consequências”. Uma dessas consequências é a chegada do FBC, que isolou Cauldron Lake. “Agora, é uma área ‘não ultrapasse’ do governo - eles construíram um laboratório na costa para investigar os fenômenos”. Mais uma vez, um enorme esforço foi feito para combater as críticas ao primeiro jogo. “No fim, acabou sendo um monte de florestas à noite que você andava, e parecia tudo muito igual”, lembra Lake. “Então, queríamos garantir que tínhamos uma grande variedade de ambientes para serem experienciados desta vez”.
E nenhum lugar é mais evidente que no Dark Place, quando Wake sai do estúdio do programa de entrevistas e entra nas ruas de uma falsa Nova York. É um local paralizante: uma versão noir da cidade, em referência à locação de Max Payne, embora o herói fundador esteja recebendo sua própria ressurreição em uma parceria com a Rockstar. (Nossa expectativa está bastante alta para esses remakes, especialmente depois do que vimos em relação aos ambientes que o estúdio está fazendo hoje.)
Lake descreve outras influências externas: Taxi Driver, de Scorsese; Seven e Fight Club, de David Fincher; e as realidades irreais de Memento e Inception, de Christopher Nolan. Todas as superfícies estão cobertas de grafite, enquanto poças escuras refletem os luminosos de neon, uma gloriosa apresentação para a iluminação do jogo, que utiliza a tecnologia Path Tracing da Nvidia. Se a dualidade é um tema chave de Alan Wake 2, não há nenhuma expressão visual mais clara do que no Dark Place. Há um penetrante tom de melancolia por toda a cidade, com os postes de ferro (marca registrada de Nova York) adicionando uma palidez verde doentia. Em alguns lugares, perfurando a escuridão, estão as cores fortes de painéis de neon e as luzes que provêm proteção para Wake.
“Na luz, a realidade é estável e sólida”, diz Lake. “A escuridão, entretanto, é onde sonhamos - e nem sempre as coisas que queremos”. É um contraste que os finlandeses conhecem: Helsinque tem quase 20h de sol nos seus dias mais longos, mas essa quantidade diminui para um teste mental de seis horas durante o rigoroso inverno. É natural, então, que
a Remedy queira fazer um jogo sobre luz e escuridão, não apenas visualmente e tematicamente, mas também mecanicamente.
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Wake carrega uma lanterna, um artefato místico do qual o interruptor do primeiro jogo foi separado. O item completo pode ser utilizado para drenar toda a força de um ponto de luz para levá-lo até uma lâmpada apagada, reconstruindo a realidade naquela área, afastando inimigos e fazendo com que a fase em si seja alterada. Tentando encontrar a entrada para uma estação de metrô, Wake coloca um pouco de luz em um poste - e, puf, uma escadaria passa a existir. Essa mecânica é específica para segmentos do Dark Place, que consiste em um único hub, mas é bem grande e se abre constantemente, de formas que pegam elementos emprestados de metroidvanias.
Realocar a luz não será a única forma de fazer isso; Wake também é capaz de, literalmente, reescrever a realidade visitando seu Writer’s Room, disponível ao apertar de um botão com uma transição instantânea. É como se fosse uma pequena dimensão mental, montada como - quem diria? - uma cabana de madeira. Nós reconhecemos a máquina de escrever de Wake sobre a mesa. Também tem uma televisão: um lugar, supomos, para assistir a episódios de Night Springs. E seu quadro de histórias, onde cartas contém dicas de elementos da narrativa coletados no mundo, que podem ser rearranjados para escrever novas histórias. A demonstração do Dark Place termina antes que pudéssemos ver tudo.
Um "Casey" aberto
No Dark Place, Wake ficará face a face com uma das suas criações mais famosas: Alex Casey. O detetive ficcional tem a voz de James McCaffrey e o rosto de Sam Lake, e uma combinação improvável de gravata e jaqueta de couro. Nenhum prêmio para notar a referência a Max Payne, mas esse é só o início do corredor de espelhos. O parceiro de Saga Anderson também se chama Alex Casey - e ele não está feliz com as comparações feitas com ele por anos. Mas existe um terceiro Casey: aquele da adaptação live action, interpretado por um ator chamado Sam Lake. É, ao mesmo tempo, uma piada boba, um exemplo da relação entre criador e criatura e, aparentemente, uma peça de um mistério ainda maior. Precisamente, o tipo de coisa sem sentido que buscamos em jogos da Remedy.
Já no segmento de Anderson, temos uma visão mais aprofundada do seu equivalente, o Mind Place. O local da agente é como um escritório do FBI, com uma parede coberta com fotos, post-its, anotações e arquivos conectados por linhas vermelhas, com pistas posicionadas pelo jogador. “Mecanicamente, estamos fazendo algumas mudanças com a mesma ideia, baseado nas suas fantasias de poder diferenciadas - a ideia de ser um agente do FBI e um escritor”, diz Rowley. “Como conseguimos criar conceitos similares e depois transformá-los para que pareçam certos para aquele personagem?”. Então, enquanto Wake é capaz de escrever sua própria história, no caso de Anderson, é mais sobre montar as peças de algo que já aconteceu. É uma visão do detetive atuando, essencielmente, como um leitor. Nos perguntamos se o jogador poderá chegar a conclusões erradas, ou se é simplesmente uma questão de completar os espaços vazios - esse balanço, diz Rowley, requer bastante repetição.
“Você tem a capacidade de colocar as coisas onde acredita que elas devam estar, mas o quadro irá reagir e dizer se o que você está fazendo está certo ou não”, é assim que ele descreve o resultado final. “Temos controle o suficiente onde sentimos que o jogador consegue fazer o caso andar, mas não no nível de, por exemplo, quebrar a experiência porque ele confundiu tudo”. Justo, já que essa não é a única maneira com a qual a Remedy está dando controle sobre essa história dividida.
Começou com o tema central do jogo, de espelhar tudo, e Lake extrapolou a partir daí: “e se criássemos uma hsitória onde esses dois podem esar lado a lado, como um eco um do outro?”. E se a forma como você experienciar cada um deles estiver a cargo do jogador também? Então, embora o início e o final sejam fixos, no meio, você será capaz de mudar entre os personagens livremente no local equivalente às safe rooms de Resident Evil, onde uma garrafa de café está no lugar da máquina de escrever. “Você pode seguir jogando como Saga ou Alan quase até o final do jogo”, diz Lake, “ou você pode ir mudando entre os dois a cada oportunidade”.
Ao ceder esse controle ao jogador, a Remedy não tem como saber o que eles podem saber ao chegar em determinadas partes do enredo, e a história foi escrita em conformidade - então, o que em alguma jogada pode ser considerado uma lembrança de eventos passados, em outra pode ser encarada como uma visão do futuro. No fim das contas, é uma questão de perspectiva.
O que você irá enxergar como original, ou como seu reflexo, depende de qual lado do espelho você estiver. É um experimento narrativo ousada, do tipo que pode ser a coroação de Alan Wake 2 - ou a sua ruína. Mas tudo o que vimos até aqui sugere um estúdio em plena floração, entregando décadas de ideias com muito estilo. Olhando para trás, é difícil imaginar a Remedy que fez o pitch original de Alan Wake 2 - e terminou fazendo Quantum Break - criando este jogo. Existe razão para ser grato pelos desvios que levaram o estúdio pelas florestas escuras e dos cantos obscuros da imaginação da sua equipe para chegar a este ponto: um jogo de reflexos, polido de forma deslumbrante.